Photo: Roman Kargapolov |
É possível se apaixonar pela paixão? Se viciar nesse sentimento? A vontade que não passa e fica cada vez mais urgente, a necessidade enlouquecedora de enfim ter a pessoa por perto, poder tocar, descobrir como é o seu beijo, sentir o cheiro e o calor da pele. Sempre que penso nisso sinto o coração acelerar, a pele fica arrepiada e não consigo me concentrar em mais nada.
Eu não deveria ter mandado aquela mensagem. Ou deveria?
A gente sempre pensou em se encontrar, mas nenhum momento parecia ser certo. Não consegui esperar por um encontro ao acaso e fiz desse dia uma chance possível. Afinal, deve ser um sinal da vida quando sua amiga desmarca com você alguns minutos depois de você estar sozinha no bar. Certo?
"Vou ser direta, levei um bolo da minha amiga e estou sozinha. Vou ficar mais meia hora para terminar meu pint, se quiser aparecer, estarei aqui."
Já se passaram 18 minutos, o pint acabou, eu pedi o segundo e meu estômago está dando cambalhotas de ansiedade.
Fecho os olhos e minha mente me consome imaginando inúmeros desfechos possíveis para essa noite. Ele vem e será incrível. Ele não vem e tudo isso foi um erro. Ele vem e vai ser estranho. Ele vem mas não vai chegar aqui na mesa. A gente vai se desencontrar.
Eu não deveria acreditar tanto assim em sinais da vida e esses acasos que a gente acredita ser o destino. Pode ser culpa de todas as comédias românticas acumuladas ao longo da vida. Pode ser culpa dos sonhos que tive, ou das conversas que duravam o dia inteiro, tão fáceis e naturais.
Eu nem consigo lembrar quando foi que tudo mudou. 25 minutos. E agora não consigo encontrar o caminho para esse ponto seguro, não consigo voltar e só penso em ir em frente, em cruzar essa linha. Me atirar ao perigo, agarrar essa única chance. Eu quero tanto que nem consigo pensar em palavras que já não tenham sido ditas em todos os livros e seriados.
Dois pints depois e os trinta minutos passaram mais rápido que eu imaginava. Ele não veio. No fundo o que mais me incomoda não é a ausência dele, mas a presença da decepção. Não achei que fosse doer tanto. Nem percebo como já peguei a bolsa e me dirijo rumo a saída, alguns degraus depois e ergo a cabeça a primeira vez para deixar um cara passar.
Se a vida fosse um filme, esse seria o momento em que aquela música especial começaria a tocar, pois nossos olhares se cruzam. Ele tá molhado, deve ter pego a chuva que cai lá fora. O reconhecimento é instantâneo, o sorriso largo. Estico meu braço, nossas mãos se cruzam e o toque é macio e quente como sempre achei que seria. Ele sobe o único degrau que nos separa, sua mão livre abraça minha cintura, me puxa pro abraço que tanto desejei. Meu corpo se encaixa perfeitamente no seu, como sempre achei que seria. E enfim, o beijo que tanto esperei, doce e intenso, carregado com toda a vontade que acumulamos. Fecho os olhos e só consigo sentir sua presença me envolvendo cada vez mais, o abraço apertado, o beijo cada vez mais urgente...
Abro os olhos, a música não tocou e o cara passa por mim. No fim dos degraus encontro a saída e ainda chove lá fora, sinto a água cair gelada em cada parte do meu corpo descoberto, vulnerável, esfriando tudo de fora para dentro. Inspiro o ar gelado, espero que ele ajude a acalmar as lágrimas quentes que insistem em descer cada vez mais rápido. Tento bloquear todos os pensamentos possíveis e me concentro em encontrar o caminho de volta, só quero voltar ao ponto seguro. Só quero chegar em casa.